O Banco Central estuda mudar as regras de funcionamento das instituições financeiras que atuam no país. A proposta, apresentada pelo órgão do governo numa consulta pública que acabou em janeiro, vai redefinir as classificações das empresas do mercado. Nessa revisão, as exigências sobre as companhias de pagamentos e fintechs poderão se tornar mais duras.
As exigências determinadas pelo Banco Central para que uma instituição financeira funcione no Brasil variam conforme a atividade. Bancos, empresas de meios de pagamentos (das maquininhas) e fintechs têm regras diferentes. Os bancos dizem que eles são mais exigidos. As fintechs afirmam que existem diferenças nos serviços permitidos pelo BC em cada modalidade, e isso estimula concorrência. Se mudar, os clientes podem ser afetados.
Por que as regras são diferentes?
- Risco: Os bancos podem usar o dinheiro que captam de pessoas e empresas para emprestar esse mesmo dinheiro a outras pessoas e empresas. Por isso, o Banco Central exige dos bancos mais capital para evitar que riscos de quebra isolados afetem todo o sistema financeiro.
- Concorrência: As modalidades de serviços e de funcionamento para fintechs e instituições de pagamentos são diferentes das impostas aos bancos para estimular a concorrência e a inovação.
Algumas diferenças de cada negócio
Quanto maior a liberdade para atuar com o dinheiro do público -os depósitos dos clientes- maiores as exigências que uma instituição financeira precisa seguir.
- Bancos: Um banco pode trabalhar com depósitos à vista de seus clientes. Assim, uma instituição financeira desse tipo pode pegar os R$ 100 que um cliente depositou lá numa conta corrente e emprestar parte desses mesmos R$ 100 a outra pessoa -descontando aquilo que o banco precisa deixar com o Banco Central em forma de depósito compulsório (veja mais abaixo). O risco desse tipo de operação para o sistema é que, se muitas pessoas quiserem sacar o dinheiro ao mesmo tempo, o banco pode não ter condições de atender os correntistas.
- Financeiras: Instituições desse tipo não podem captar dinheiro de clientes com depósitos à vista. Só são permitidos depósitos a prazo. Ou seja, para emprestar a algum cliente, elas precisam antes levantar dinheiro, emitindo títulos, como os CDBs. E precisam pagar um rendimento para isso.
- Instituições de pagamentos: Essas instituições podem trabalhar hoje com a chamada conta de pagamentos. O cliente deposita o dinheiro, e a empresa tem que colocar todo o valor em títulos públicos. É como se fosse uma conta separada do restante das operações de empréstimo que essa empresa oferece ao mercado.
Exemplos de regras diferentes
As regras de funcionamento do sistema financeiro criadas pelo Banco Central são diferentes para cada participante, dependendo da atividade e do tamanho de cada instituição que atua no setor. Veja alguns exemplos.
Tamanho de capital: Para atuar no sistema financeiro um banco precisa comprovar um determinado capital em relação ao tamanho dos negócios que realiza. Outras instituições financeiras também precisam ter esse capital, mas numa proporção bem menor que a dos bancos.
Depósitos compulsórios: Os bancos são obrigados a deixar uma parte do dinheiro que administram numa conta do Banco Central, com um rendimento muito baixo. São os chamados depósitos compulsórios. As instituições de pagamentos não precisam fazer depósito compulsório porque todo dinheiro que o cliente deixa na conta não pode ser utilizado em empréstimos a outros clientes nem para outros fins. É um dinheiro que tem que ficar segregado e aplicado em título público.
Serviços gratuitos: Os bancos são obrigados a oferecer aos clientes um cardápio mínimo de serviços que devem ser gratuitos, como fornecimento de um cartão de débito, até quatro saques por mês, ou até duas transferências entre contas do mesmo banco por mês.
Quais regras podem mudar?
No fim de janeiro, foi encerrada a fase de consulta para mudanças de regras do sistema financeiro lançada pelo Banco Central, que pode agora, a qualquer momento, apresentar a decisão final, com a nova regulamentação.
Nova divisão: O texto apresentado pelo Banco Central na consulta pública propõe passar a dividir as instituições em três grandes grupos:
- Controladas por instituição financeira: Os grandes bancos estão nesse grupo;
- Controladas por instituição de pagamento (IP) mas que não fazem parte de uma instituição financeira: As empresas de maquininhas estão nesse grupo;
- Controladas por instituição de pagamento, mas integradas a uma instituição financeira: uma maquininha controlada por um grande banco.
Exigência de capital: As novas regras devem elevar a exigência de capital no mercado para algumas empresas, como as instituições de pagamento.
Bancos reclamam de tratamento diferenciado
Os bancos afirmam que muitas empresas de pagamentos que surgiram pequenas hoje se tornaram grandes e, por isso, representam para o mercado financeiro um maior risco. Dessa forma, devem ser submetidas a regras mais duras para acabar com o que chamam de “assimetria regulatória”, ou seja, regras diferentes para participantes que são iguais.
O que não nos parece nada razoável é dar tratamento diferenciado para empresas que já alcançaram grande porte, com participação expressiva em muitos mercados e alta capacidade financeira, que já abriram seu capital e que já valem mais do que muitos bancos de grande porte, com operações maiores do que algumas das maiores instituições financeiras, como no setor de cartões de crédito.
Isaac Sidney, presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos)
Fintechs têm menos riscos, dizem empresas do setor
As empresas de pagamentos e fintechs rebatem e dizem que não representam os mesmos riscos ao sistema financeiro que os grandes bancos porque não podem utilizar o dinheiro dos correntistas em suas atividades, ou mesmo cobrar juros, no caso das empresas de pagamentos. Ou seja, realizam atividades diferentes. Destacam que regras devem ser diferentes para empresas que fazem atividades diferentes.
Não é o porte da instituição financeira que determina o risco das operações, mas a natureza de cada atividade. Então, as regras devem ser diferentes para mitigar riscos diferentes que cada atividade financeira possa gerar.
Vinicius Carrasco, diretor-executivo da Associação Brasileira das Instituições de Meios de Pagamentos (Abipag)
Bancos e fintechs de crédito digital são empresas com naturezas distintas em termos de risco. Se um banco quebrar, ele pode carregar junto empresas e clientes do sistema. Já se uma financeira ou empresa de meio de pagamento tiver problema, isso fica limitado e sem afetar o restante do sistema.
Rafael Pereira, presidente da ABCD (Associação Brasileira de Crédito Digital)
Regras favorecem competição, diz Banco Central
O princípio da segmentação e da proporcionalidade prudencial está relacionado ao risco, ao porte e à complexidade das atividades e dos participantes do mercado, mantendo a prudência em todos os casos. A proporcionalidade regulatória é um conceito adotado por vários bancos centrais e, sem abrir mão da adequada mitigação de riscos, favorece também a promoção da competição, da eficiência e da inclusão.
Impacto para os clientes
Os bancos dizem que regras diferentes para grandes fintechs podem afetar a concorrência e, no futuro, reduzir a oferta de crédito no país.
Ao se estabelecer, por exemplo, que bancos devam ter uma alíquota tributária mais elevada do que outros participantes do setor financeiro, é natural que investidores pressionem os administradores para que migrem suas atividades para figuras jurídicas distintas do setor bancário. Com a migração de parte das atividades bancárias para instituições de pagamento, clientes passarão a contar com volume menor de recursos disponíveis para obtenção de crédito, afetando o financiamento da cadeia produtiva e o financiamento das famílias.
Segundo as fintechs, o surgimento e o crescimento das novas empresas promoveram inclusão financeira e redução de custos para o consumidor final. Mais pessoas puderam ter conta e crédito, por exemplo, graças à maior praticidade de serviços digitais que foram lançados a preços mais baixos que os vendidos pelos bancos.
A partir do momento em que são criadas barreiras baseadas nessa desculpa de acabar com a tal da assimetria regulatória haverá impacto nos custos de todo o mercado. A redução de preços que a concorrência promovida pelas fintechs permitiu pode perder força e afetar o processo de inclusão financeira.
Diego Perez, Presidente da ABFintechs
Um obstáculo na forma de regras que sejam demandantes de capital regulatório em magnitudes relevantes pode impedir a entrada de novos participantes no mercado e, assim, afetar a oferta de produtos e serviços em especial para quem estava à margem do sistema bancário.
Vinicius Carrasco.
Fonte UOL, João José Oliveira 14/08/2021
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