Segundo especialistas, proteção da coletividade se sobrepõe ao indivíduo, além de leis trabalhistas protegerem empresa contra violação de normas internas.

Com o avanço da vacinação contra a covid-19 no País, muitas empresas que mantiveram o time em home office até agora estão voltando a operar no presencial. Apesar de a imunização ser comprovadamente a forma mais eficaz de se proteger do vírus, no entanto, o fato de algumas pessoas recusarem a vacina tem obrigado o mundo corporativo a se posicionar para garantir um ambiente coletivo seguro.

Com a previsão de reabrir seus escritórios em outubro, a Microsoft dos Estados Unidos já anunciou que vai exigir o comprovante de vacinação de todos os funcionários e visitantes para que possam entrar nos prédios da companhia a partir de setembro. Facebook e Google também informaram, no início do mês, que os colaboradores que retornarem ao presencial deverão estar vacinados.

No Brasil, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP) manteve recentemente a justa causa aplicada à demissão da funcionária de um hospital que não quis se vacinar. A justificativa foi que, apesar de a vacinação não ser compulsória, a imunização em massa é a única maneira de frear a pandemia. Nesse caso, para proteger a saúde do coletivo, as empresas têm o direito de restringir a frequência ou o exercício de atividades de quem não aceitar entrar na dança – e até de demitir por justa causa, dependendo do motivo da recusa.

“A empresa não pode forçar o empregado a se vacinar, mas, se ele não o fizer, poderá sofrer consequências trabalhistas”, afirma Rodrigo Takano, sócio do departamento trabalhista do Machado Meyer Advogados.

“Caso a empresa estabeleça a vacinação como uma condição para a proteção da saúde e segurança dos seus empregados no ambiente do escritório e o empregado se recuse a se vacinar, ele estará violando uma norma interna e inviabilizando o seu trabalho no ambiente coletivo. Nesse contexto, o empregador tem legitimidade para dispensar o empregado por justa causa”, ele esclarece, lembrando que o próprio Ministério Público do Trabalho emitiu um guia técnico defendendo a possibilidade de as empresas tornarem obrigatória a vacinação de empregados contra a covid-19.

Sob a ótica do trabalhador, o especialista ressalta que ele não poderá ser punido por não se imunizar se houver prescrição médica que contraindique a vacina, mas o acesso presencial à empresa pode ser limitado. “Em comparação com outros programas nacionais de vacinação, como o da H1N1 (Influenza), a obrigatoriedade de vacinação é a mesma, porém, no contexto de pandemia e calamidade pública vivenciados, há um rigor maior de toda a sociedade no que concerne a exigir e fiscalizar a vacinação individual em razão da tutela da coletividade”, reitera.

Proteção direta e indireta

Diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações e médica do corpo clínico da CEDIPI, a pediatra Silvia Bardella Marano explica que, apesar de nenhuma das atuais vacinas contra a covid-19 eliminar o estado de portador do vírus, a pessoa que se imuniza não adoece com a mesma frequência que aquela que está desprotegida – e, se contrair o vírus, as chances de transmissão são inferiores.

“Além dos anticorpos, quem se vacina desenvolve vários graus de resposta contra aquele agente e as chances de o vírus se multiplicar são muito menores”, afirma.

A médica sublinha a importância da questão traçando um paralelo com outros vírus conhecidos. “Uma pessoa com sarampo contamina 18 pessoas, uma com varicela transmite a doença para quase 100 % dos contatos não-imunes e uma pessoa com covid-19 contamina de 3 a 6 pessoas, dependendo da cepa. Então ela representa um risco para a população, especialmente para quem não está vacinado por limitações da idade, gestação ou imunossupressão.”

De acordo com Bardella, quem ainda não pode tomar a vacina por algum motivo acaba indiretamente protegido pela imunidade de rebanho. “Quando você opta por não se vacinar, além de representar um risco maior de infecção, a chance de desenvolver variantes é gigante porque o vírus tem uma facilidade muito grande de mutação. A cada nova pessoa infectada, pode gerar desde uma mutação mais branda até uma infecção grave, inclusive com o risco de as vacinas pré-concebidas não funcionarem mais e a gente ter que começar novamente do zero”, alerta a especialista.

Campanha de conscientização

Em Goiânia, a Consciente Construtora promoveu campanhas de conscientização sobre a importância da imunização para seus colaboradores. Como resultado, a grande maioria dos funcionários das obras e do setor administrativo já recebeu a primeira dose e deve estar completamente imunizada até setembro. Dos 190 operários, apenas quatro optaram por não tomar a vacina.

A empresa afirma que orienta, incentiva e procura sempre conscientizar os colaboradores sobre a importância da vacina, inclusive facilitando para que os profissionais possam sair durante o expediente de trabalho para se vacinar. Apesar da campanha permanente, no entanto, eles entendem tratar-se de um ato voluntário. Não há nenhum tipo de descontinuidade de contrato ou penalidade com aqueles que, por questões pessoais, decidam não se vacinar. Mesmo com os bons resultados da campanha, a construtora mantém os protocolos de segurança adotados desde o início da pandemia.

No caso da healthtech Dandelin, como a equipe é jovem, por enquanto somente os dois sócios-fundadores já estão 100% imunizados e voltaram a frequentar o escritório em formato híbrido. “Com o avanço da vacinação, optamos por deixar opcional o retorno ao escritório, mas somente para aqueles que tiverem tomado as duas doses da vacina e aguardado os 14 dias para que a imunização esteja completa”, explica o CEO Felipe Burattini.

Ele fala que nenhum dos colaboradores tem um posicionamento negacionista quanto à necessidade da vacinação, tanto para a prevenção pessoal quanto coletiva, mas que a empresa é rigorosa com a questão. “Caso algum colaborador se recusasse a ser vacinado, teríamos a certeza de que os valores dele não estariam em conformidade com os da Dandelin”, complementa Mára Rêdiggollo, COO da empresa.

“Certamente uma recusa à vacinação geraria o desligamento imediato, pois não podemos ter em nossa equipe, principalmente se tratando de uma healthtech, um funcionário que coloque em risco tanto os outros colaboradores da empresa quanto o resto da população brasileira.”

A foodtech Pratí, que até hoje manteve na fábrica somente os profissionais que exercem atividades que não podem ser realizadas a distância, também optou por uma volta gradativa para o escritório daqueles que tenham tomado as duas doses da vacina ou a dose única, no caso da Janssen. Se houver recusa, porém, a empresa vai dialogar.

“Os colaboradores que estão em home office e não quiserem se vacinar, manteremos no formato remoto até se vacinarem”, afirma o CEO Fabio Canina. “Para os que atuam de forma presencial, buscaremos entender o motivo da recusa e continuaremos reforçando a importância da imunização, pensando sempre no bem-estar de todos”, ele pondera.

Fonte Terra, Bianca Zanatta 22/08/2021

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