A portaria publicada pelo Ministério do Trabalho e Previdência que proíbe empregadores de exigirem carteiras de vacinação de seus empregados gerou críticas de juristas e dúvidas dentro das empresas, no momento em que muitas implementam seus planos de retorno ao trabalho presencial.

A norma, publicada em edição extra do Diário Oficial desta segunda-feira (dia 1), determina que a exigência de comprovante de imunização para a contratação ou manutenção do emprego será classificada como prática discriminatória.

“Considera-se prática discriminatória a obrigatoriedade de certificação de vacinação em processo seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação”, determina a portaria, assinada pelo ministro Onix Lorenzoni.

Segundo a norma, o empregador pode estabelecer orientações e incentivar a vacinação de seus trabalhadores para mitigar os riscos de transmissão da Covid-19. Contudo, as empresas não poderão demitir por justa causa se algum funcionário ou funcionária não apresentar sua carteira de vacinação. Caso fizerem, poderão optar pela reintegração do trabalhador ou pelo pagamento, em dobro, da remuneração no período de afastamento.

Advogados especializados em direito trabalhista criticaram a portaria e dizem que ela fere decisões de outros órgãos e a Justiça. Para Aline Fidelis, sócia de Trabalhista do Tauil & Chequer Advogados, o Ministério do Trabalho e Previdência não tem competência para legislar e criar obrigações sobre o tema vacinação.

— A portaria não é lei e não cria lei. Ela deveria regulamentar a lei e, não, cria-la, como parece ser a intenção da Portaria 620, já que proíbe o empregador de exigir comprovante de vacinação para a contratação do empregado ou manutenção do emprego, considerando que essa exigência é discriminatória —destaca ela.

A advogada Aline Fidelis ressalta ainda que a regra irá gerar mais um ônus para as empresas além do risco de contaminação dos funcionários:

— A portaria limita o exercício do poder diretivo do empregador, de modo que ele continua sendo responsável pela manutenção de um ambiente de trabalho saudável aos seus empregados, mas não pode instituir as regras que entende ser necessárias para tanto. O artigo 3º inclui, somente, a possibilidade de os empregadores instituírem a testagem periódica que comprovem a não contaminação pela Covid e, nesse caso, as empresas é que terão que arcar com um custo maior para que os empregados sejam obrigados a realizar o teste ou apresentar o cartão de vacinação. Em um momento de crise econômica que tanto atingiu as empresas, a portaria traz uma opção com alto custo ao empregador para que ele possa manter o meio ambiente de trabalho saudável — observa ela.

Já a Caroline Marchi, sócia da área trabalhista do Machado Meyer Advogados, avalia que a norma contraria ações de outros órgão como o Supremo Tribunal Federal (STF). Em outubro, o Ministério Público do Trabalho publicou orientação seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a pessoa que se recusar a se vacinar pode sofrer consequências e sanções, como ter a entrada em estabelecimentos vetada.

— A portaria vai de encontro às diretrizes da decisão do STF. A nova exige da empresa protocolos de segurança e imputa à ela o ônus da prova de não contágio nas atividades.

Para o advogado João Galvão, especialista em Direito Trabalhista, do escritório SFCB Advogados, constitucIonalidade da portaria pode ser contestada no Supremo:

— Ainda permanecem as bases do direito do trabalho inscritas na Constituição Federal e Consolidação das Leis do Trabalho, onde podemos citar a necessidade da proteção do ambiente de trabalho pelo empregador. Por isso, acredito que a portaria 620 logo será declarada inconstitucional, sobretudo pelo posicionamento recente dos tribunais — afirma. — Em que pese a evidente inconstitucionalidade, a portaria trouxe para o jogo grande insegurança jurídica, assim, entendo que a nova recomendação jurídica para as empresas deva ser baseada na cautela nas demissões e exigências até a possível declaração de inconstitucionalidade — alerta Galvão.

Ministro defende a norma

Em vídeo publicado em suas redes sociais o ministro Lorenzoni diz que “ameaçar de demissão, demitir, ou não contratar por exigência de certificado de vacinação é absurdo”.

— A escolha pertence apenas ao cidadão ou à cidadã. Está no âmbito da sua liberdade individual e isso tem que ser respeitado. Pode ser uma companhia aérea, uma distribuidora ou uma loja. Tem que respeitar a legislação brasileira e os direitos dos cidadãos brasileiros e por isso a portaria foi emitida, proibindo toda e qualquer demissão por essa razão — afirmou Onyx Lorenzoni.

Neste final de semana, a prefeitura de São Paulo exonerar dois servidores comissionados que não se vacinaram. Em agosto, um decreto municipal obrigou os servidores da administração direta e indireta a se vacinarem.

Em nota, o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes disse estranhar a edição da portaria.

“As decisões da Prefeitura de São Paulo, desde o início da pandemia, têm tido o propósito exclusivo de proteger e preservar a saúde e a vida dos cidadãos paulistanos, por isso, estão baseadas nas recomendações da equipe de saúde. Estranhamos a referida portaria, que parece ir contra até as mais recentes decisões da Justiça do Trabalho”, afirmou o prefeito por meio de comunicado.

O presidente Bolsonaro, que está em viagem na Itália após a reunião do G20 em Roma, vem se colocando repetidamente contra a adoção de exigência de vacinação, o chamado “passaporte da vacina”.

Fonte Extra, 02/11/2021

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