Uma portaria publicada ontem (1º) e revogada hoje (2) gerou confusão sobre os direitos trabalhistas e previdenciários de quem é contaminado pelo coronavírus. Durante um dia, a covid-19 fez parte de uma lista de doenças ocupacionais, o que reconhecia a estabilidade ao empregado afastado e aumentava as chances de a empresa ser responsabilizada pela contaminação.
Com a revogação da portaria, a situação do empregado com covid-19 volta a ser como antes. Isso não significa que ele não terá direito a estabilidade temporária, benefícios previdenciários e indenizações, mas terá de comprovar que a contaminação aconteceu por causa do trabalho.
A iniciativa do Ministério da Saúde de incluir a covid-19 na lista pegou especialistas de surpresa, pois o governo vinha trabalhando para evitar que a doença trouxesse custos adicionais a empresas e aos cofres públicos. O Ministério da Economia e o INSS, diretamente afetados pela medida que durou apenas um dia, não quiseram comentar.
O Ministério da Saúde afirmou que a portaria foi revogada pois a pasta recebeu contribuições técnicas sugerindo ajustes e que “essas sugestões serão analisadas pela pasta e demais órgãos envolvidos antes da republicação do texto”.
O que dizia a portaria revogada
Na terça-feira, o Ministério da Saúde publicou a Portaria n. 2.309, que incluiu a covid-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). Com isso, ficava mais fácil reconhecer que um empregado foi contaminado por causa do trabalho —ou seja, que ele teve uma doença ocupacional.
Na quarta-feira, o Ministério da Saúde recuou, publicando a Portaria n. 2.345, que revoga a anterior.
O que muda se a covid-19 for doença ocupacional
Reconhecer a covid-19 como doença ocupacional tem consequências para o empregado, para a empresa e para os cofres públicos.
O empregado com doença ocupacional tem direito a receber auxílio-doença acidentário. Em caso de incapacidade permanente, ganha uma aposentadoria maior. Se morrer, seus dependentes recebem pensão por morte, com regras de carência mais benéficas.
Depois de receber alta e retornar ao trabalho, o trabalhador tem ainda 12 meses de estabilidade no emprego.
A empresa pode ter de recolher o FGTS durante o período de afastamento. Quanto mais doenças e acidentes de trabalho ela tiver registrados, maior a alíquota de contribuição previdenciária. Além disso, a empresa pode ser cobrada por danos materiais (como despesas hospitalares), danos morais e pensão para os familiares do empregado que vier a falecer.
Tudo isso reflete também nas contas públicas. Empregados afastados por doenças ocupacionais custam mais ao INSS com auxílios e aposentadorias, além de eventuais despesas indenizando servidor público contaminado.
Como fica agora
Ricardo Calcini, professor de direito do trabalho, afirma que se a portaria de terça-feira não fosse revogada, o INSS provavelmente teria que reconhecer mais casos de covid-19 como doença ocupacional. Agora, com a revogação, cabe ao trabalhador comprovar que existe alguma relação entre o trabalho e a contaminação com o coronavírus, o que é mais complicado.
A principal forma de pedir o reconhecimento da covid-19 como doença ocupacional é por meio de uma Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), que deve ser emitida pelo médico que atende o trabalhador.
Em alguns casos, porém, presume-se que o empregado foi contaminado no ambiente de trabalho. “Esse nexo continua sendo presumido em atividades envolvendo, por exemplo, os profissionais da área de saúde, em razão da exposição direta e de forma mais acentuada ao vírus se comparada às demais profissões”, afirma Ricardo Calcini.
Portaria revogada surpreendeu especialistas
A portaria de terça-feira, agora revogada, surpreendeu especialistas em direito do trabalho e previdenciário. Isso porque o governo vinha trabalhando para evitar que contaminações por covid-19 trouxessem mais custos para empresas e para o sistema previdenciário.
Em 22 de março, logo no início da pandemia, o presidente Bolsonaro publicou uma medida provisória (MP 927) de matéria trabalhista. Um dos artigos previa que os casos de covid-19 não seriam considerados ocupacionais, exceto se comprovada a relação de causalidade com o trabalho do empregado.
O advogado previdenciário Rômulo Saraiva afirma que a lei exigia que o trabalhador comprovasse o exato momento em que foi contaminado, o que era algo praticamente impossível.
Em maio, o plenário do STF decidiu que aquele artigo é ilegal. A MP toda perdeu a validade em julho, por não ter sido convertida em lei pelo Congresso.
Fonte UOL, 02/09/2020
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