Longevidade requer preservar legado, mas olhar adiante, diz Trabuco.

Segundo maior banco privado do país, com R$ 1,8 trilhão em ativos, o Bradesco (BBDC4) chega aos 80 anos nesta sexta-feira como uma das instituições financeiras de maior capilaridade no mercado brasileiro, tanto em termos geográficos quanto da diversidade do público que atende. Forjado entre as muitas crises econômicas nacionais e aquisições, o Banco Brasileiro de Descontos, fundado em Marília (SP) em 10 de março de 1943, tem o desafio de se adaptar a um mercado em rápida transformação.

No curto prazo, o banco da Cidade de Deus também precisa lidar com um cenário difícil para o crédito depois do rápido crescimento na pandemia e com o caso da Americanas, dois fatores que afetaram fortemente os resultados do quarto trimestre de 2022.

A capacidade de adaptação às mudanças conjunturais e tecnológicas trouxe o Bradesco até aqui. “Não crescemos sozinhos. Nosso êxito foi ter visto a transformação de um Brasil que deu certo”, afirma o presidente do conselho de administração do banco, Luiz Carlos Trabuco, em entrevista ao Valor.

A resposta para a longevidade, diz ele, é preservar o legado, sem deixar de olhar para frente. “Nossa cultura, nosso DNA, não devem ser uma âncora, mas uma raiz que alimenta a construção”, afirma.

Criado por bancários em meio à Segunda Guerra Mundial, o Bradesco sempre se definiu como um banco “de portas abertas” e voltado a atender todo o Brasil. Para isso, apostou na busca pela solidez e na valorização das “pratas da casa”. Até hoje, foram apenas cinco os CEOs, incluindo o atual, Octavio de Lazari Junior, que está no cargo desde 2018. Todos eles, funcionários de carreira com décadas na instituição.

Seu fundador, Amador Aguiar, ficou 38 anos à frente do Bradesco. O sucessor, Lázaro de Mello Brandão, comandou por 18 anos, seguido por Márcio Cypriano, que teve uma gestão de dez anos. Na sequência, Trabuco foi presidente por nove anos, sucedido por Lazari. Os presidentes do conselho foram apenas quatro: Aguiar, Brandão, Antônio Carlos de Almeida Braga e Trabuco.

Se o modelo valoriza os talentos internos, também há quem veja no Bradesco uma instituição muito fechada a ideias de fora dos limites da Cidade de Deus.

A constância dos executivos e a preferência por nomes internos não impediram que o Bradesco fosse pioneiro em vários aspectos na indústria bancária brasileira. Foi o responsável por lançar o cheque especial, o primeiro cartão de crédito e o internet banking. Também foi o primeiro banco local a usar um computador (da IBM, em 1962), constituiu a primeira rede privada de comunicação de dados via satélite, inaugurou os caixas eletrônicos (1982) e criou uma agência fluvial, colocando o banco em um barco no Amazonas.

Muitas dessas inovações acompanharam um período conturbado da economia, sobretudo com a hiperinflação. “Chegamos a ter inflação de 1% ao dia, um terço do meio circulante trocava de mãos no ‘overnight’. Isso deixou uma lição sobre a importância de fortalecer o patrimônio”, afirma Trabuco.

Nesta década, com a chegada das fintechs, o Bradesco decidiu lançar, em 2017, um banco digital independente, o next. Foi uma estratégia diferente da adotada pelo Itaú Unibanco, que preferiu apostar na transformação de dentro para fora. Com o tempo, as trajetórias acabaram confluindo. O Itaú depois criou a carteira digital iti, e o Bradesco foi investindo na modernização do banco tradicional. Também lançou uma “walltet”, o Bitz, e recentemente comprou do Banco do Brasil (BB) a metade que ainda não possuía no Digio, uma operação de cartões aos poucos convertida num banco digital.

Bruno Diniz, sócio da consultoria Spiralem, diz que o Bradesco talvez tenha a fama de ser mais atrasado que os rivais do ponto de vista tecnológico, mas acha que pode ser apenas uma questão de comunicação. Ele lembra que a instituição foi pioneira ao criar seu braço de inovação, o Inova Bra, em 2014, e um dos primeiros bancos locais a ter um fundo de corporate venture capital. “Talvez o Bradesco não faça tanto barulho, mas com certeza tem se movimentado nessa questão da modernização”, avalia.

Conhecido como “o mais público dos bancos privados”, o Bradesco sempre esteve relativamente próximo do governo. Executivos da instituição costumam ter trânsito em Brasília. Nas comemorações dos 500 anos do descobrimento, em 2000, o governo FHC encarregou o banco de proteger a carta de Pero Vaz de Caminha, trazida de Portugal para a data.

O Bradesco também mantém uma relação estreita com o BB. Por uma década, operou com ele o Banco Postal (nas agências dos Correios) e é sócio da instituição estatal no setor de cartões: na adquirente Cielo e na holding EloPar, guarda-chuva que abriga empresas como Alelo, Livelo e Veloe. Na Elo Cartões, os dois bancos contam ainda com a parceria da Caixa.

Carlos Macedo, analista da OHM Research, afirma que o Bradesco atravessa atualmente alguns trimestres difíceis depois de ter exagerado na concessão de crédito na pandemia, quando os juros e a inadimplência estavam baixos.

O próprio Lazari admitiu isso. No entanto, segundo ele, a exposição a classes de menor renda faz com que sinta mais que os concorrentes quando o ciclo de crédito está na baixa, mas se beneficie fortemente quando a economia melhora.

“O Bradesco deu uma exagerada, vai ter alguns trimestres ruins, mas faz parte”, diz Macedo. “Em todo ciclo de alta da inadimplência sempre tem um banco com o pé trocado. Desta vez, é o Bradesco que sofre mais”, reforça Carlos Daltozo, diretor de renda variável da Eleven Financial.

O Bradesco de hoje é fruto da consolidação do setor bancário que se deu no Brasil a partir dos anos 90, quando o Plano Real tirou do mercado as instituições que não conseguiram se adaptar aos novos tempos. Essa aglutinação em torno de poucos grupos teve a chancela do Banco Central (BC), que só alguns anos atrás passou a ter um viés mais pró-competição.

Ao longo de décadas, o banco da Cidade de Deus fez aquisições em série, embora não tenham sido operações tão grandes como a fusão entre Itaú e Unibanco em 2008 — quando perdeu o status de maior banco privado do país — ou a compra do Banespa e do Banco Real pelo Santander. Ainda em 1968, comprou o Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina (Inco) e cresceu na região Sul. Cinco anos depois, adquiriu o Banco da Bahia e se consolidou no Nordeste. Em 1983, arrematou a Atlântica Boa Vista e criou a Bradesco Seguros — que responde por quase 30% do resultado do grupo. E, em 2015, comprou a operação brasileira do HSBC, avançando no atacado e na alta renda. No segmento de investimentos, o Bradesco comprou em 2008 a corretora Ágora. O investimento, porém, não deu os frutos esperados e, anos mais tarde, o banco reformulou a operação para adaptá-la à era das plataformas.

O Bradesco sempre foi muito focado no mercado brasileiro, diferentemente do rival Itaú, que tem forte presença em países da América Latina. Esse olhar não mudou, mas aos poucos a instituição começa a testar outras geografias. Em 2019, adquiriu o BAC, um banco na Flórida para reforçar o atendimento à clientela de alta renda. Até então, só tinha uma pequena operação de cartões no México, e no ano passado resolveu apostar na criação de um banco digital naquele país, adquirindo a Ictineo.

No Brasil, quando atingiu a marca de mil agências, em 1978, o banco comemorou abrindo unidades no Oiapoque (extremo Norte) e Chuí (extremo Sul). Ainda levaria mais 31 anos para chegar a todos os municípios, com um posto em Novo Santo Antônio (MT). A presença física ainda é um diferencial, mas impõe custos elevados — aos poucos tem transformado parte das agências em lojas, sem caixas, e recorrido a correspondentes.

Aguiar, que morreu em 1991, deixou a maior parte de suas ações para a Fundação Bradesco, criada em 1956 e que hoje mantém 40 escolas e atende mais de 40 mil alunos. Após sua morte, houve uma disputa pela herança entre a segunda esposa, Cleide Campaner Aguiar, e as três filhas adotivas, Lia, Lina e Maria Ângela, que acabaram vencendo. Hoje, a família Aguiar tem 16,63% das ações com poder de voto da holding Cidade de Deus, que por sua vez tem 45,87% do banco. Dois filhos de Lina — Denise e Rubens Aguiar Alvarez — integram o conselho de administração do banco. Os maiores acionistas dessa holding são a Fundação Bradesco (35,44% das ON) e a BBD Participações (53,70% das ON), que reúne as participações de administradores e funcionários.

Fonte: Inteligência Financeira, Álvaro Campos 10/03/2023

DIGA SIM PARA QUEM DEFENDE VOCÊ. SINDICALIZE-SE!!

 

Comentários